sábado, 9 de maio de 2020

A peste

A peste
"... bactéria (Yersinia pestis), presente em roedores e transmitida aos humanos através das pulgas e piolhos infetados.
Estima-se que a peste tenha entrado, pela primeira vez, na Itália em 1347, espalhando-se rapidamente pela ilha da Sicília. Em janeiro de 1348, a doença entrava em Génova e Veneza, através de galés vindas da Crimeia. " daqui 

Itália

Acho que é a música única que sempre me encantou. Quando saído das línguas liceais aprendidas (?), tive a oportunidade de iniciar a aprendizagem formal da língua mais bonita que eu ouvira, fui. Subir a rua do Salitre e, já perto do Rato, entrar naquele prédio austero foi uma das melhores subidas que pratiquei. Lembro-me da professora, não do nome, signora già nonna, mas delicadamente explicadora. Lembro-me da grammatica italiana per stranieri, que conservo, e de dois jovens colegas de carteira, ela que viria a ser conhecida mais tarde como uma brilhante jornalista, especialmente no campo da reportagem, Cândida Pinto.
Música dos filmes, passaportes reais de viagens sonhadas e ainda irreais, das personagens saídas do génio de Fellini, Rosselini, Scola ou Pasolini, que, pela voz da signora, eu inspirava duas vezes por semana. Alguns meses, cinco ou seis, e depois a desistência à beira do exame, traço oblíquio de uma das personas que fui, ou fui sendo, ou vou sendo.
Já anteriormente quase o mesmo guião, sem o fogo da música, mais por curiosidade ou premonitória necessidade, noutro cenário de Lisboa, à Lapa, no British Council.
O maldito tremor castrador da minha personalidade em construção. Que sempre me viralizou e me perseguiu.
Mas, o que importa, la Bella Italia! De lá veio a nossa língua, em batalhões de conhecimento e futuro, que se foi individualizado mas que para sempre ficou prima, muitas vezes irmã da família latina emotiva e alargada.
O acaso e alguma intrepitude levaram-me a uma mesa de café, em Monsanto, por outro acaso que não recordo, e a um impulso, mais tarde vezes repetido em tão diferentes patamares.
Num ápice, um grupo grande de italianos cantava o desejo interior que eu tinha, desvio da placidez da tarde que findava. Incrédulos, mas agradados, agarraram uma conversa com um autóctone súbito. De nada lembro do que falámos, de um lado um diletante e do outro vozes e olhos interessados. Estávamos em 77, no rescaldo ainda farto e interrogativo da vulcanidade recém passada.
Eles eram da Lotta Continua e Aldo Moro ainda pertencia à elite democrata-cristã que governava há décadas a bota de um Duce alucinado.
Pouco mais de meio ano depois, numa Itália em convulsão, aterrei em Milano-
Malpensa.
Tinha um italiano à minha espera, Giullio, para me levar até Brescia e Bergamo.
Tinha iniciado o meu sonho de conhecer tudo, ou quase tudo, o que não era português.
Aldo Moro tinha sido raptado pelas Brigadas Vermelhas e, mais tarde em Roma assisti à inquietude de um país de que eu só conhecia a música da língua e alguns vestígios deixados pela romanização peninsular. Muito mais do que pensava na altura.