sexta-feira, 12 de junho de 2020

De Santo Onofre a Santo Antão

Hoje é dia 12 de Junho. É dia de Santo Onofre. Deste Santo chegaremos a outro bem mais conhecido, Santo Antão, às suas Tentações e Bosch, Dalí e outros.
Santo Onofre
foi um santo eremita que nasceu na região de Tebaida (Tebas, junto à actual Luxor) e que é celebrado neste dia, curiosamente por cristãos católicos, cristãos ortodoxos e cristãos coptas. É caso para simpatizar com este Santo tão ecumenicamente cristão. Viveu no deserto, entre 320 e 400 DC, muito frugalmente, despojado mesmo de roupas, sendo retratado em ícones coberto unicamente com folhas.
Nesta parte do mundo terá vivido aquele que foi um dos Santos mais celebrados e conhecidos, principalmente por ter conseguido resistir às tentações com que o Diabo o queria vergar. Como em todas as histórias deste género supostamente... e supostamente ficamos...






Voltarei às Tentações, não propriamente a Santo Antão... 

Artigo muito interessante sobre a destruição de estátuas e símbolos históricos

Ontem, no
Público. Vale bem ler o artigo todo. 

"As reflexões e os debates colectivos, “mais em certas sociedades do que noutras”, sobre “como é que podemos continuar a ocupar o espaço público com um determinado conjunto de edifícios, de monumentos, de simbologias não são novos”, lembra o historiador Miguel Bandeira Jerónimo, “o questionamento desta benevolência para com a história no espaço público é um debate antigo”. O que é novo, à luz do que aconteceu nestas semanas, “é a multiplicação de objectos de crítica, de denúncia e de tentativa de destruição.”
Já não se trata do movimento Rhodes must fall, que aconteceu na África do Sul por causa de estátuas do colonizador Cecil John Rhodes, ou de um caso recorrente na Europa, a contestação à estátua do rei Leopoldo II na Bélgica. Agora incluem-se figuras como Churchill.

“A galeria dessas figuras está a aumentar e provavelmente vai aumentar ainda mais”, diz o investigador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra especialista em história comparada do imperialismo e do colonialismo, pois a situação que se vive nos Estados Unidos “veio dar uma nova legitimidade moral e uma outra força” aos grupos que querem este debate na agenda pública.



Lembra também o caso da Nascar, a corrida de carros particulares nos EUA onde era frequente haver bandeiras da Confederação e a organização anunciou nesta semana que as vai banir, para mostrar que o debate que eclodiu com o assassínio de George Floyd não tem só a ver com aquilo que está edificado, com a inscrição no espaço de uma determinada memória histórica, tem a ver com a sua evocação através de outros símbolos, por exemplo, em práticas desportivas.



A antropóloga Elsa Peralta, que tem investigado a forma como determinados passados históricos estão inscritos enquanto memória no espaço público pela toponímia, pelos monumentos, pelos museus e também pela estatuária, lembra que cada nação selecciona “os motivos de orgulho colectivo para construir uma identidade” e isso é projectado para o futuro. “No caso português e das nações europeias ocidentais, sobretudo aquelas que foram impérios, muito desse orgulho vai assentar nos passados imperiais, como em França, Portugal, Reino Unido, Bélgica. Desde há uns anos tem havido um movimento em crescendo, de questionamento, de contestação e de crítica relativamente ao carácter muito homogéneo, acrítico, muito unilateral da representação deste passado”, explica a antropóloga que é autora de Lisboa e a Memória do Império. Património, Museus e Espaço Público, um livro sobre a representação do passado imperial na cidade de Lisboa.
Têm sido académicos, jornalistas e outros grupos que se têm vindo a organizar, como o dos afro-descendentes, lembra a antropóloga, “que não se revêem nessa representação, de onde se vêem excluídos e têm vindo a reclamar uma voz e uma representação mais activa no espaço público como fazendo parte de uma história na qual tiveram papel subalterno, que é uma história de violência contra os seus antepassados e eles próprios, tem um lastro no presente e têm vindo a reclamar uma representação mais justa desses passados.” No caso português, considera que 2017 é o ano em que tudo isso ganha uma forma mais consistente.




Para esta investigadora, “o que é importante é que haja uma acção, do ponto de vista da memória pública, democrática, cívica em que diferentes agentes estejam representados, aqueles que no passado foram excluídos e actualmente continuam a sê-lo, para que possamos ter uma representação desse passado, não necessariamente erradicá-la, porque é impossível apagar aquilo que aconteceu, mas torná-lo mais crítico, mais pedagógico, mais interpretativo, mais plural”.
Por sua vez, Miguel Bandeira Jerónimo considera que há uma série de discussões que Portugal não está a ter e já está a ser objecto de reflexão internacionalmente. “Como é que usamos padrões morais contemporâneos para pensar no passado? Qual é a distância que existe entre padrões morais contemporâneos e padrões passados? Somos assim tão diferentes? O que vamos fazer com práticas que certamente são imorais, mas que à altura que foram realizadas eram legais e escassamente questionadas por uma larga maioria da população?”
Estas são algumas das questões que Bandeira Jerónimo levanta, pois como historiador interessa-lhe perceber como é que estabelece a fronteira neste debate entre o que são julgamentos morais e aquilo que é a análise histórica. Um decorre do outro? Não tem respostas, mas sabe que se não pensarmos nestas questões dificilmente se pode dialogar.
“Podemos olhar criticamente com a nossa moral presente para aquilo que aconteceu há 50 anos, mas não há 200 anos? Qual é o critério?”, acrescenta. “Por que é que temos todo o direito de fazer julgamentos morais, e ainda bem, procuramos a justiça histórica relativamente a massacres e genocídios no século XIX e XX, não estou apenas a falar do regime nazi, e achamos que podemos ter olhares morais e legais activos sobre esse assunto mas muitas das pessoas que aceitam isso mudam de opinião quando falamos do tráfico de escravos e consideram que estamos a impor uma moralidade presente em contexto passado. Onde é que está o limite deste tipo de operação?”. Outra das suas questões é também o que se deve fazer com edifícios ou monumentos erguidos em cima de trabalho escravo ou trabalho forçado, como as pirâmides ou a Catedral de Maputo, em Moçambique.




Neste debate, continua o historiador, também se esquece por vezes que o questionamento e a crítica destes processos - desde o tráfico de escravos à escravatura ou ao trabalho forçado - não são privilégios do presente.
 “Não somos nós, a nossa geração e as nossas sociedades, as primeiras a questionar e a denunciar criticamente estas mesmas práticas. Muitas das vezes olho para estes debates e parece que há uma série de pessoas que julgam que são as que pela primeira vez têm a coragem de denunciar estas práticas. E aqueles que morreram a renunciar ou a resistir às práticas de escravização?”, diz o historiador que juntamente com José Pedro Monteiro é autor da série História(s) do Presente, publicada neste jornal, que deu origem a um livro. 
Para todas estas questões Miguel Bandeira Jerónimo não acredita que existam respostas fáceis. Mas, tal como acontece com Elsa Peralta, diz ser urgente o seu tratamento.
“O que serve melhor a esta causa, às pessoas que querem reescrever criticamente a história, aos que querem combater a descriminação social, étnica, de género, etc.? É a destruição destes edifícios, destes monumentos, é a sua remoção? Ou, pelo contrário, é criar condições para que o conhecimento histórico sobre estes processos esteja presente no espaço público?”




Também para as próximas gerações, como para a do seu filho de sete anos, parece-lhe ser mais importante, contextualizar aquela estátua, aquela figura histórica, dar aos mais jovens os instrumentos básicos, fundamentais para que percebam quem é aquela figura, por que é que ela está lá e por que é que se calhar não devia lá estar, pois no seu comportamento histórico há um determinado conjunto de coisas que consideramos inaceitáveis.
 “O que é mais importante isto ou remover aquele edifício, aquela estátua, e assim sendo perder de forma muito objectiva contextos muito práticos de transmissão de um conhecimento histórico rigoroso e até de transmissão de um civismo que é absolutamente fundamental à nossa sociedade?”, afirma o historiador que considera que o que falta em Portugal é pedagogia histórica e também por falta de clareza dos historiadores.






“As pessoas têm de saber quem foram as figuras, têm de estar informadas dos debates” e não lhes serve “o que está a tomar conta do debate, uma radicalização vazia de posições, que infelizmente não serve àquilo que considero mais importante: que saibamos todos de que é que estamos a falar.”