sábado, 20 de junho de 2020

Dois deuses: Jesus e a Pimenta

"Não havia protestos agora, senão esperanças, cubiças, ambições. Não partiam á aventura; partiam á conquista do que tinham descoberto, e queriam trazer para Portugal, para casa. Ninguem duvidava do exito, e o capitão levava cartas solemnes do{pg. 221} rei para o Çamorim. Em troca d'ellas, da sua alliança, dos presentes que lhe mandavam, viriam os rubis e as esmeraldas, a pimenta e a canella, monopolisada pelo turco, inimigo de Deus!
Já na praia começava a levantar-se a basilica, monumento ingenuo d'essa religião do commercio, erguido a Jesus e á Pimenta—os dois deuses que viviam no céu portuguez (ou carthaginez): dois deuses piamente adorados, mas servidos ambos de um modo egualmente barbaro.
O almirante acaso pensava, já no Tejo, n'esse rumo de Oeste, o de Colombo, que o levaria á America; e porventura acreditava pouco na existencia do lendario Preste-Joham, por cuja causa tantas viagens se tinham feito. Não o mandavam descobrir, mandavam-no conquistar; mas elle queria tambem inscrever o seu nome na lista dos que, durante o seculo anterior, tinham pouco a pouco rasgado as trevas do mar mysterioso. A sua viagem, além de iniciar o dominio portuguez na India, teve, com effeito, as duas consequencias desejadas. Varreu as duas lendas, a do Preste e a do Mar Tenebroso: descobriu o Brazil, e veiu dizer a D. Manuel que o supposto imperador do Oriente era um miseravel rei preto, infiel, acantonado nas montanhas invias da Abyssinia.
Atraz de uma lenda, attrahido por uma voragem, Portugal descobrira os continentes e ilhas do Atlantico e chegára á India. Por uma illusão, consummára a realidade que espantava o mundo inteiro. O mundo é uma miragem, e os homens sombras levadas pelos sabios ventos do destino...
Reconhecidas as terras, sulcados os mares, por occidente e por oriente, faltava porém ainda reunir essas duas metades do mundo conhecido, e dar-lhe a volta, para se saber que cabia todo, inteiro, nas{pg. 222} mãos do homem: eis ahi o valor da viagem de Magalhães, vinte annos mais tarde.
Não ha mais trevas no mar; consummou-se a grande conquista. Mas uma nova empreza se desenha agora: devorar o descoberto, digerir o mundo.
Portugal inteiro embarca para a India na esquadra de Cabral[81]."
Oliveira Martins 
História de Portugal 
Grafia de 1908

Os gatos e o meu gato

Os gatos são essa tribo independente que os dependentes tanto invejam. Não conseguem, porque não percebem que ser livre não é fazer o que se quiser mas querer tudo o que se faz. A toda a hora e sem sapos.

Um dependente nunca compreenderá porque toda a vida faz o que acha que deve ou tem de fazer. Ao contrário dos gatos.

O meu gato passou a primeira noite fora de casa. Fugiu do conforto da comidinha sempre certa e da ternura do calor da pele para o desconforto da noite escura e alta.
Ele não queria bem fugir. Ele não sabia era como voltar.
Ele, no fundo, queria correr mundo nem que fosse no telhado bem pertinho, vá dar-se o caso de não saber o que pensar.

Pelo menos, foi isso que eu quis acreditar.
Não tinha medo de pneus assassinos, ou de matilhas desbocadas, nem de víboras lendárias.
Tinha medo não sei de quê.
Além disso era a sua primeira vez. O que tinha eu com isso afinal?

Voltou, ajudado, de manhã, com pelo sujo e com barriga temerosa e fria.
Vi-lhe nos olhos a sapiência de quem sabe que viveu o inferno no melhor dos céus possíveis.
Arranjei um everest que o impedisse de repetir, nem dois segundos se passaram naquele pulo fantástico de não vir.
Agora, está preso no castelo dos sapos. Chora sem chorar para não se ver o que é um gato chorar. Aprendeu com os humanos a fingir? 

Duas vezes

Por duas vezes estive perto dela. Mas não cheguei a conhecê-la. Nunca a tinha visto, nem desconfiava de nada. Mas sabia que existia. E que existe e que, dizem, nunca deixará de existir. Porque a vida depende dela. E ela da vida, toda a vida.
Da primeira foi na fúria desmedida de um desencontro anunciado. Na segunda foi num ensaio milimétrico, genuinamente puro e puroso mas sem oxigénio redentor.
Vou voltar a estar perto mas, desta vez, sem esperar por ela. A bem dizer, agora quero-a longe e sem saudade mas, de mim, ela achará a sua fortuna. 

Champions, SNS, Scolari e o Foleirismo Português

"Mas daí a classificar o feito como “irrepetível, é uma vez na vida”, como o fez um sobreexcitado Marcelo, ou uma espécie de “prémio ao SNS”, como disse António Costa, é ir um bocadinho para fora de pé."
Ana Sá Lopes
Público 

É por esta e muitas outras (bandeirinhas às janelas, (ch)orar pela selecção, a grande gesta lusitana ((ler Oliveira Martins a descrever a acção de Vasco da Gama, Afonso de Albuquerque, Duarte Pacheco, Cabral e outros, literalmente no caminho para/e na Índia, é de arrepiar e estarrecer!...)), somos os melhores, o fado e a grande alma lusitana, demos novos mundos ao mundo, o Céu escolheu-nos em Fátima, nha, nha,nha) que eu me sinto muito pouco nacionalista e orgulhoso (fomos um povo "escolhido" como os que se acham diferentes e que foram "eleitos" pelo sr. Judah?).
Este choradinho é insuportável. Os "outros" também têm? E depois? A vaidade espanhola, o chauvinismo francês, a superioridade inglesa, a soberba norte-americana, o deusismo brasileiro, etc.? 
Tudo lenha da entranhada ideia de que as nossas casas são, sem dúvida, as melhores do mundo porque... são nossas. 
Que severa burrice! Ou, tolerantemente, "está bem, abelha!". 


"Sorriso maldoso do inspector. Óculos escuros é com ele, mas em tecnicolor polaroid. No entanto faz-se desentendido; pensa: Está bem, abelha. E recosta-se na cadeira. Tem a ordem de captura à mão de assinar mas quer ouvir primeiro, saber opiniões. Opiniões? Elias não há meio de entender por que diabo aparece o mangas da secretaria metido naqueles expedientes. Conselheiro chamado de aflição para os devidos efeitos?» (Balada da Praia dos Cães, José Cardoso Pires. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 2010, 17.ª ed., p. 136).
"Tradução":  vai à....! 



"A informação que tivemos hoje é que o Dr. Fábio Koff teve uma melhora. As nossas orações para Nossa Senhora do Caravaggio por ele também estão surtindo efeito através dos médicos. Esperamos que as notícias sigam boas para que possamos, logo logo, ter ele ao nosso lado para convivermos com esta pessoa maravilhosa", disse Scolari ao fim de sua entrevista. "

Hoje, Xanana de Gusmão.

Xanana de Gusmão, um dos líderes políticos que mais admirei/admiro.
Entre muitas razões, por demonstrar desapego ao poder, como Ramos Horta, aliás. O que não deixa de ser curioso. Ou não.
Como apêndice "não histórico" um BENFICA - SPORTING nos mares de Timor...


Nasceu há 74 anos. Parabéns!