domingo, 19 de julho de 2020

Hagia Sophia...

...foi o último dos grandes monumentos que vi, melhor, revi, em Fevereiro deste ano, numa derradeira sortida (sabe-se lá quando se poderá voltar a viajar e como... ), menos de quinze dias antes do lockdown de Março.
Já o tinha visto décadas atrás mas os olhos de então não poderiam ser os mesmos.
Naquele quase final de século (agosto de 1982), os Turcos de então viam Ataturk como os de agora (a julgar pelas eleições, mais duvidosas ou não... ) já não verão e isso é uma mudança de vulto.
A islamização deste país sunita não é uma coisa boa, como nunca foi a religionização de nenhum país, há milénios, há séculos, há décadas. 
O Poder e os seus Imperadores (dos Magnuns aos Minimuns... ), a Ganância e o seu Deus Supremo, o Dinheiro, a Prisão Mental e as suas Teologias e a Indiferença formam a parte cancerosa do mundo. 
Mas ainda há uma Minoria capaz de remar contra a maré. 
Assim a minoria turca o consiga. 

Hagia Sophia... Jorge Almeida Fernandes

Erdogan “reconquista” Hagia Sophia

A reconversão da Hagia Sophia em mesquita é uma jogada nacionalista determinada pelas ambições políticas e regionais do Presidente Erdogan. Mas a esplendorosa basílica é muito mais do que um tema de disputa: as suas pedras, os seus pilares e os seus mosaicos encerram a complexidade de 1500 anos da História europeia e turca, das tradições cristãs e islâmicas. Para o historiador Procópio, a sua cúpula não parecia terrena mas suspensa do céu.
 

Aya Sophia... Pacheco Pereira

José Pacheco Pereira, no Público
 " Na Aya Sophia não se sai como se entra, não se chamasse à coisa “divina sabedoria”, mas entrar como mesquita não é a mesma coisa que entrar num museu.

A divina sabedoria
Na Aya Sophia não se sai como se entra, não se chamasse à coisa “divina sabedoria”, mas entrar como mesquita não é a mesma coisa que entrar num museu.
Duvido que alguém preste muita atenção ao facto que motiva este artigo: a ameaça do retorno da Aya Sophia
 da sua actual função de museu para ser mesquita de novo. (Uso o nome turco, em vez do grego Hagia Sophia, mas como todas as coisas que têm muita história, tem muitos nomes.) É um ataque desnecessário e puramente político a um local dos mais importantes da nossa história comum do Ocidente, incluindo a própria Turquia, e que nada tem de religioso. Na própria história dos locais sagrados do Islão este nunca foi muito relevante. O significado mais forte desta opção é o abandono de uma das decisões fundamentais de Atatürk na sua tentativa verdadeiramente revolucionária de laicizar a Turquia. É contra isso que vai Erdogan.

Aya Sophia foi uma igreja cristã ortodoxa, uma igreja cristã latina, depois uma mesquita (estão lá os minaretes que foram acrescentados) e, por fim, um museu, no milénio e meio da sua história. As datas cruciais são 1453, 1931-5, mas estamos em 2020 e o significado deste processo, na Turquia de Erdogan, é um ainda maior afastamento do resto da Europa. Neste processo, a União Europeia tem muitas culpas: prometeu à Turquia o ingresso na União, se cumprisse determinadas condições, a Turquia cumpriu-as, e depois tiraram-lhe o tapete. Erdogan está lá também por causa disso, agora sob a asa sinistra de Trump, cujo secretário de Estado Pompeo, todos muito religiosos, já lavou as mãos do futuro da Aya Sophia.
A transformação de museu em mesquita não é inócua do ponto de vista político e geopolítico e implica riscos para o património cultural preservado até hoje. O grande mosaico do Cristo Pantocrator e outros mosaicos bizantinos terão de ser de novo emparedados, como estiveram muitos séculos, e muitos detalhes da história cristã,  por todo o edifício, terão de ser retirados ou escondidos.
A Aya Sophia é um daqueles locais difíceis da história pelo excesso de sagrado e pela densidade da sua própria história, tal como Jerusalém. Como todos os turistas acidentais visitei várias vezes a Aya Sophia. Como todos os turistas acidentais intelectuais, há sempre a presunção de que o olhar é diferente, ou de que, iludindo os outros visitantes comuns, se está lá como um viajante do século XVIII que foi visitar a Porta partindo de Marselha à procura do exótico. Tretas. Mas o que se vê é o que se vê.
Quando entrei pela primeira vez, repeti a sensação atribuída ao seu construtor, o imperador Justiniano, sobre a dimensão da cúpula, um feito arquitectónico e de engenharia que permitiu resistir a terramotos, vandalismo, destruições. A gigantesca cúpula, aliás, foi o modelo para as mesquitas, porque não havia precedente arquitectónico no Islão e Aya Sophia sempre foi durante séculos o maior prédio do mundo. Mas eu sou homem de detalhes e perdi-me pelos detalhes e ainda hoje, se lá voltar outra vez, vou de novo aos detalhes. Os detalhes e as histórias à volta deles, meias lendas, meias verdades.
Começo pelo Umbigo do Mundo, o Omphalos, o círculo de mármore onde eram coroados os imperadores bizantinos. Não é todos os dias que se está no Umbigo do Mundo. À minha volta, no piso térreo, se houver fantasmas, passarão os cruzados latinos da Quarta Cruzada que profanaram a catedral, entrando com um carro de bois com prostitutas, quando da conquista de Bizâncio no século XIII, no meio do saque generalizado da cidade. Muito do saque foi para Veneza, cujo doge Dandolo, que participou no assalto, teve os ossos atirados aos cães e depois colocados num túmulo térreo, que só foi marcado no século XIX numa galeria da catedral. Este foi um dos incidentes que mais marcaram o cisma entre os católicos e os ortodoxos, pelo qual o Papa pediu desculpa.

Outro grupo de fantasmas é o dos que estiveram na última missa realizada na catedral imediatamente antes da invasão otomana, com a presença de Constantino XI Paleólogo, o último imperador bizantino. Saiu dali para combater e desapareceu, nunca tendo sido encontrado o seu corpo. Numa versão sebastianista, corrente entre os gregos da diáspora, não teria morrido e estaria no interior das muralhas à espera de sair e libertar a cidade dos turcos. Até hoje.
Lá fora há muitas distracções, desinteresse e geopolítica e cá dentro é um assunto tão remoto como a estrela Sirius, mas temos gente que sabe história e é sensível à cultura que podia pressionar a embaixada e a nossa diplomacia
Subindo às galerias, é a explosão da grande arte bizantina dos mosaicos, em honra de vários imperadores e imperatrizes e sob a égide de Cristo Pantocrator, omnipotente, todo-poderoso. Olha-se para estas figuras, que sobreviveram aos iconoclastas, ao emparedamento, e nunca há cansaço, há sempre novos detalhes numa figuração densa de símbolos religiosos. Verdade seja dita, também as devemos ao sultão Abdul Medid, que as protegeu e restaurou.
Na Aya Sophia não se sai como se entra, não se chamasse à coisa “divina sabedoria”, mas entrar como mesquita não é a mesma coisa  que entrar num museu. Não porque haja algum mal nas mesquitas – Istambul tem algumas das mais belas mesquitas do mundo –, mas o olhar muda, os gestos mudam, e muito do que hoje vemos não pode ser exposto numa mesquita sem violar preceitos do Islão.
Lá fora há muitas distracções, desinteresse e geopolítica e cá dentro é um assunto tão remoto como a estrela Sirius, mas temos gente que sabe história e é sensível à cultura que podia pressionar a embaixada e a nossa diplomacia. Em nome inclusive da herança de Mustafa Kemal Atatürk, o pai dos turcos, coisa que não é certamente Erdogan."

No UK, o futuro que nos espera?


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