A Relíquia
"Eu ia depor na sua mão, brilhante de anéis, um beijo gratíssimo. Ela deteve-me, mais aprumada e seca:
- Até aqui tens sido apropositado; não tens faltado aos preceitos, nem te tens dado a relaxações... Por isso te vais regalar de ver as oliveiras onde Nosso Senhor suou sangue, e de beber no Jordãozinho... Mas se eu soubesse que nesta passeata tinhas tido maus pensamentos, e praticado uma relaxação, ou andado atrás de saias, fica certo que, apesar de seres a única pessoa do meu sangue, e teres visitado Jerusalém, e gozar indulgências, havias de ir para a rua, sem uma côdea, como um cão!
Curvei a cabeça, apavorado. E a Titi, depois de roçar o lenço de rendas pelos beiços sumidos, prosseguiu com mais autoridade, e uma emoção crescente que lhe punha, sob o corpete raso, como o fugitivo arfar de um peito humano:
- E agora quero dizer-te, para teu governo, uma só cousa!
Todos de pé, e reverentes, logo percebemos que a Titi se preparava a proferir uma palavra suprema. Nessa hora de separação, rodeada dos seus sacerdotes, rodeada dos seus magistrados, D. Patrocínio das Neves ia decerto revelar qual fora o seu íntimo motivo, em me mandar, como sobrinho e como romeiro, à cidade de Jerusalém. Eu ia saber enfim, e tão indubitavelmente como se ela mo escrevesse num pergaminho, qual deveria ser o mais precioso dos meus cuidados, velando ou dormindo nas terras do Evangelho!
- Aqui está! - declarou a Titi. - Se entendes que mereço alguma cousa, pelo que tenho feito por ti, desde que morreu tua mãe, já educando-te, já vestindo-te, já dando-te égua para passeares, já cuidando da tua alma, então traze-me desses santos lugares uma santa relíquia uma relíquia milagrosa que eu guarde, com
que me fique sempre apegando nas minhas aflições e que cure as minhas doenças.
E pela vez primeira, depois de cinquenta anos de aridez, uma lágrima breve escorregou no carão da Titi, por sob os seus óculos sombrios."
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