domingo, 17 de novembro de 2013

Cavaco, o espantalho e B.Bastos

   "O dr. Cavaco consumiu vinte minutos, no Centro Cultural de Belém, a

esclarecer os portugueses que não havia português como ele. Os

portugueses, diminuídos com a presunção e esmagados pela soberba,

escutaram a criatura de olhos arregalados. Elogio em boca própria é

vitupério, mas o dr. Cavaco ignora essa verdade axiomática, como,

aliás, ignora um número quase infindável de coisas.

    O discurso, além de tolo, era um arrazoado de banalidades, redigido

num idioma de eguariço. São conhecidas as amargas dificuldades que

aquele senhor demonstra em expressar-se com exactidão. Mas, desta vez,

o assunto atingiu as raias da nossa indignação. Segundo ele de si

próprio diz, tem sido um estadista exemplar, repleto de êxitos

políticos e de realizações ímpares. E acrescentou que, moralmente, é

inatacável.
 
        O passado dele não o recomenda. Infelizmente. Foi um dos piores

primeiros-ministros, depois do 25 de Abril. Recebeu, de Bruxelas,

oceanos de dinheiro e esbanjou-os nas futilidades de regime que,

habitualmente, são para "encher o olho" e cuja utilidade é duvidosa.

        Preferiu o betão ao desenvolvimento harmonioso do nosso estrato

educacional; desprezou a memória colectiva como projecto ideológico,

nisso associando-se ao ideário da senhora Thatcher e do senhor Regan;

incentivou, desbragadamente, o culto da juventude pela juventude,

característica das doutrinas fascistas; crispou a sociedade portuguesa

com uma cultura de espeque e atrabiliária e, não o esqueçamos nunca,

recusou a pensão de sangue à viúva de Salgueiro Maia, um dos mais

abnegados heróis de Abril, atribuindo outras a agentes da PIDE, "por

serviços relevantes à pátria." A lista de anomalias é medonha.

    Como Presidente é um homem indeciso, cheio de fragilidades e de

ressentimentos, com a ausência de grandeza exigida pela função. O

caso, sinistro, das "escutas a Belém" é um dos episódios mais vis da

história da II República. Sobre o caso escrevi, no Negócios, o que

tinha de escrever. Mas não esqueço o manobrismo nem a desvergonha,

minimizados por uma Imprensa minada por simpatizantes de jornalismos e

por estipendiados inquietantes. Em qualquer país do mundo, seriamente

democrático, o dr. Cavaco teria sido corrido a sete pés.

O lastro de opróbrio, de fiasco e de humilhação que tem deixado atrás

de si, chega para acreditar que as forças que o sustentam, a

manipulação a que os cidadãos têm sido sujeitos, é da ordem da mancha

histórica. E os panegíricos que lhe tecem são ultrajantes para aqueles

que o antecederam em Belém e ferem a nossa elementar decência.

          É este homem de poucas qualidades que, no Centro Cultural de Belém,

teve o descoco de se apresentar como símbolo de virtudes e sinónimo de

impolutabilidade. É este homem, que as circunstâncias determinadas

pelas torções da História alisaram um caminho sem pedras e empurraram

para um destino que não merece. Triste República, nas mãos de gente que a

não ama, que a não desenvolve, que a não resguarda e a não protege!

          Estamos a assistir ao fim de muitas esperanças, de muitos sonhos

acalentados, e à traição imposta a gerações de homens e de mulheres. É

gente deste jaez e estilo que corrói os alicerces intelectuais,

políticos e morais de uma democracia que, cada vez mais, existe,

apenas, na superfície. O estado a que chegámos é, substancialmente, da

responsabilidade deste cavalheiro e de outros como ele.
 
            Como é possível que, estando o País de pantanas, o homem que se

apresenta como candidato ao mais alto emprego do Estado, não tenha,

nem agora nem antes, actuado com o poder de que dispõe? Como é

possível? Há outros problemas que se põem: foi o dr. Cavaco que

escreveu o discurso? Se foi, a sua conhecida mediocridade pode ser

atenuante. Se não foi, há alguém, em Belém, que o quer tramar.

 Um amigo meu, fundador de PSD, antigo companheiro de Sá Carneiro eleitor omnívoro de literatura de todos os géneros e projecções, que me dizia:
 
 "Como é que você quer que isto se endireite se o dr. Cavaco e a
maioria dos políticos no activo diz 'competividade' em vez de
'competitividade' e julga que o Padre António Vieira é um pároco de qualquer igreja?"
        Pessoalmente, não quero nada. Mas desejava, ardentemente desejava, ter um
Presidente da República que, pelo menos, soubesse quantos cantos tem "Os
Lusíadas”."                                                                    
 Baptista-Bastos

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