As aventuras de João Sem Medo- I
O
homem sem cabeça
Era
uma vez um rapaz chamado João que vivia em
Chora‑Que‑Logo‑Bebes,
exígua
aldeia aninhada perto do
Muro
construído em redor da Floresta Branca onde os
homens,
perdidos dos enigmas da infância, haviam estalado
uma
espécie de Parque de Reserva de Entes Fantásticos.
Apesar
de ficar a pouca distância da povoação, ninguém
se
atrevia a devassar a floresta. Não só por se
encontrar
protegida pela altura descomunal do Muro,
mas
principalmente porque os choraquelogobebenses
–
infelizes chorincas que se lastimavam de manhã até a
noite
– mal tinham força para arrastar o bolor negro das
sombras,
quanto mais para se aventurarem a combater
bichas
de sete bocas, gigantes de cinco braços ou dragões
de
duas goelas. Preferiam choramingar, os maricas!,
agachados
em casebres sombrios, enquanto lá por fora
chovia
com persistência implacável (como se as nuvens
estivessem
forradas de olhos) e dos milhares e milhares
de
chorões – as árvores predilectas dessa gente – pingavam
folhas
tristes. Tudo isto incitava os habitantes da
aldeia
a andarem de monco caído, sempre constipados
por
causa da humidade, e a ouvirem com delícia canções
de
cemitério ganidas por cantores trajados de luto, ao
som de
instrumentos plangentes e monótonos."
Aqui, José Gomes Ferreira
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