Mia Couto
"Lembro-me como se fosse hoje: o professor era um
homem muito alto e seco e, nesse dia, ele subiu ao estrado da sala segurando,
nos dedos trémulos, um caderno escolar. E era como se ele se transfigurasse num
menino frágil, em flagrante prestação de provas. Parecia um mastro, solitário e
desprotegido. Só a sua alma o podia salvar.
Depois, quando anunciou o título da
redação veio a surpresa do tema que parecia quase infantil: o professor iria
falar das mãos da sua mãe. Éramos crianças e estranhámos que um adulto (e aindapor cima com o estatuto dele) partilhasse connosco esse tipo de sentimento. Mas
o que a seguir escutei foi bem mais do que um espanto: ele falava da sua
progenitora como eu podia falar da minha própria mãe. Também eu conhecera essas
mesmas mãos marcadas pelo trabalho, enrugadas pela dureza da vida, sem nunca
conhecerem o bálsamo de nenhum cosmético. No final, o texto acabava sem nenhum
artifício, sem nenhuma construção literária. Simplesmente, terminava assim, e
eu cito de cor: "é isto que te quero dizer, mãe, dizer-te que me orgulho
tanto das tuas mãos calejadas, dizer-te isso agora que não posso senão lembrar
o carinho do teu eterno gesto."
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