Quadrados...
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Estamos lá dentro e só vemos quadrados. De baixo para cima, de um lado para o oposto, mesmo com diagonais com sombras escondidas, intermitentes.
Olhamos e às vezes não vemos os náufragos que estão lá fora, porque já saíram ou estão ainda presos mas completamente livres para derrotar e morrer em combates seguidos até uma estocada final, que pode vir de qualquer lado. Isto é, de qualquer quadrado.
A prisão é deliciosa para quem gosta de ficar preso naquele ambiente quase claustrofóbico de lutas sem fim e de reviravoltas surpreendentes. Para quem gosta de se surpreender. E de sentir-se surpreso.
Os guardas lá fora, que é dentro, observam pelos quadrados e vêem coisas porque estão noutro plano e, às vezes, estar noutro plano é planar por cima de tudo, o que não se quer, o que se quer, o que não se sabe ainda que se vai, ou não, querer...
É a prisão mais libertadora que possa existir. Quem está preso, fica para sempre preso. De verdade e voluntariamente, o que é raro.
Comecei a ficar preso com os silêncios do meu avô, quando não sei porquê, porque eu era tímido, aborrecido e teimoso, e os avôs austeros daqueles tempos eram exigentes. Mas foi aí que comecei a ver que aquela prisão era especial e, sempre que me libertavam, quer dizer, sempre que saía daquela casa em Lisboa, queria voltar. Sempre para ser preso. Sempre naquela prisão.
Naquela prisão havia guardas, de um lado e de outro. Guardavam as personagens mais valiosas. Supostamente. Porque os guardas sabiam que, se tecessem uma malha fina, esta seria resistente e até flexível, embora pouco, porque eram só guardas.
Das outras personagens que viviam naquela prisão, com 64 celas absolutamente iguais, alternadas entre o sombrio e o luminoso que cada um veste, perscrutava-se a soberba de se saberem os presos mais valiosos do cárcere, dispostos a morrer e a matar, ao mínimo deslize, qualquer um dos inimigos.
Eram os prisioneiros aristocráticos da Gárgula, nome seguramente inventado por alguém sem imaginação, morto algures, fora da prisão.
As muralhas do castelo eram suportadas por duas torres, invejadas por acólitos religiosos e apoiadas por cavaleiros, dispostos a tudo, cavalgando e pulando, depois do avanço entrançado e lento dos guardas, que repeliam e contra-atacavam, e orgulhosos do seu poder estratégico.
No centro o prisioneiro mais importante, à volta do qual tudo se movia e que justificava a razão de ser e de existir. Sem ele era a finitude do equilíbrio, a deserção da esperança.
A seu lado, possante, vibrante, arrasante, a peça fundamental que, diziam, e dizem, está sempre atrás, ao lado ou à frente, dependendo da perspectiva, do Sol, do artista, do artesão, do pensador, do génio,
com uma coroa pouco solar mas solidamente determinante para o futuro Dele.
Todos os prisioneiros morriam, a noite descia, as estrelas fulgiam, e, na manhã seguinte, nenhum, absolutamente nenhum, deixava de ressuscitar e inventar-se de novo.
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