O vento
Eu gosto muito do vento. Ou de vento, como preferirem.
A vaca é um animal doméstico. Ela dá-nos leite, carne e couro. A galinha, para além de uma estupidez ancestral, é um animal doméstico que nos dá ovos e carne.
Ora o problema é que o vento não é um animal doméstico.
O vento não pertence a ninguém, o que o torna extremamente perigoso. O vento não dá para ser domesticado.
O vento pode é ser roubado.
É o que tem acontecido com aquelas enorme hélices de helicópteros mancos que pupulam por tudo quanto é sítio. Mas roubado não é o mesmo que domesticado.
É manietado nos seus direitos.
Não sei se o vento se queixa mas se fosse eu não gostava de ver aqueles monstros brancos nos montes e montinhos do meu país. Parece que são úteis e nos fornecem energia eléctrica. Aí está: o vento não é doméstico mas já arranjaram maneira de ele ser um pouco como a vaca e a galinha.
Mas o vento está-se nas tintas para isso porque o vento é livre. Roubem-no um bocadinho que ele rala-se bem com isso. O vento despenteia os penteados e penteia os despenteados. É por isso que eu gosto tanto dele!
O vento é um desmancha-prazeres mas, às vezes, é um montador-de-prazeres como nos casos dos balões e dos parapentes, mas nestes últimos é só às vezes, o que torna o às vezes já em muitas vezes e aí as coisas podem dar para o torto. Podem.
O vento é uma ovelhinha negra da natureza. Por vezes desaparece e faz com que as caravelas do saudoso e aventuroso Gama fiquem para ali a molengar sem saberem mesmo para onde ir, numa calmaria que, contudo, é bem melhor do que aqueles planos fixos do Oliveira que são absolutamente insuportáveis por muito estéticos que eles sejam. E poéticos. Eu não gosto nada da poesia parada, de uma lentidão ainda inferior à de um caracol desmesuradamente preguiçoso, coisas. Mas, sobre este aspecto concreto, não sei a opinião do vento.
O vento trata os ciclones e os anti-ciclones por tu-cá-tu-lá, e umas vezes está nos Açores e dali a nada está nas Caraíbas, e depois já é alísio e depois, como é do contra, já é contra-alísio, vá lá entendê-lo. O vento gosta de chatear, como já vimos, mas há uma categoria de seres humanos que nunca se queixa do vento: os carecas. Os carecas não ligam nada ao vento. O vento para eles não existe e parece que vivem felizes, até porque com aquela particularidade nunca apanham piolhos, nem lêndeas. E o vento é um óptimo propagador de piolhos, além de ser muito chato para aqueles jogadores de futebol que usam umas fitinhas no cabelo para as melenas não lhes cairem para os olhos e eles não poderem rematar e marcar ou defender golos. Porque o vento é tramado nos olhos. O vento nos olhos dá cabo deles. E os jogadores têm o prestígio a defender e a carreira.
O vento está-se nas tintas para a carreira e para as carreiras.
Seja a carreira do 28 que vai até Algés, seja a carreira do senhor doutor que preza muito a corporativa ascensão e subida na mesma. O vento está para as carreiras como as rosas vermelhas estão para o deserto da Galileia. E venta.
O vento o que faz? O vento venta, ou venteia, assobia, rodopia, pipila, varre, desmancha, enrola, desfaz, ensarilha, envolve, tapa, leva. Por exemplo: o vento leva as palavras, como ajuizadamente no provérbio.
E lá vão elas, as palavras, levadas pelo vento, já sem amarras, nem atilhos, nem correntes, nem páginas, nem leitores, nem livros, nem nada.
O vento leva as palavras e as palavras vivem livres.
O vento também ri. É uma das suas melhores características. O vento ri dos disparates dos disparatados que não sabem que disparates andam a armadilhar há anos e anos e sem consequências. Ou com muitas.
Um disparatado-mor, ou uma, faz os maiores disparates dos últimos trinta anos e o que é que lhe acontece? Dão-lhe o prémio de uma sinecura na presidência de uma fundação de amizade com um país do outro lado do Atlântico. Bem pensado.
Aí o vento ri mas fica a pensar por que razão os disparates têm tanto valor, para mais quando mascarados de talhantes, ou farsantes, estatísticos: sabe-se que um quilo de carne custa, na média europeia, 7 euros e 35 cêntimos mas o preço que é pedido é de 6 euros e 58 cêntimos, para ficarmos bem na fotografia da média europeia, mas que obviamente não corresponde à realidade. Mas o talhante, ou farsante, está-se bem nas tintas para a realidade.
O que interessa ao talhante, ou ao farsante, são números, números, números. Ou as médias dos números.
O vento, por vezes, cansa-se e vai descansar para a praia. O vento adora a praia,
estar ali à torreira do sol a arder, saborear o sal que fica nas suas costas, enfim, desfrutar de um pouco de repouso no meio de dezenas, ou mesmo de centenas, às vezes até milhares.
Depois, acorda, chateia-se, levanta-se, rodopia e põe-se a varrer aquela malta toda que foge, atarantada, para os seus carros que ficaram a escaldar que nem ovos estrelados acabadinhos de fazer. Os grãos de areia enfiam-se por tudo quanto é sítio, nos ouvidos, nos cabelos, nos olhos, no tablier do carro e até na garganta do cão que rosna, irado, porque não compreende nada do que se está a passar e ainda por cima gritam com ele.
O vento, cansado de tanta erupção, e confusão, e desarranjo, eclipsa-se.
Desaparece.
Muito lá longe o vento ri e sorri porque, apesar da sua vontade ou até pela sua vontade, ele sabe, bem no seu íntimo, que é eterno, que nunca morre, nem ressuscita, que nunca é sepultado sob lajes mais ou menos pindéricas, que nunca é cremado em piras nas margens do Ganges, ou nos crematórios das cidades, que é sempre jovem sendo sempre velho, que é só ele, com ele.
O vento lembra-se e sorri de novo.
O vento adora papagaios. De papel.
A vaca é um animal doméstico. Ela dá-nos leite, carne e couro. A galinha, para além de uma estupidez ancestral, é um animal doméstico que nos dá ovos e carne.
Ora o problema é que o vento não é um animal doméstico.
O vento não pertence a ninguém, o que o torna extremamente perigoso. O vento não dá para ser domesticado.
O vento pode é ser roubado.
É o que tem acontecido com aquelas enorme hélices de helicópteros mancos que pupulam por tudo quanto é sítio. Mas roubado não é o mesmo que domesticado.
É manietado nos seus direitos.
Não sei se o vento se queixa mas se fosse eu não gostava de ver aqueles monstros brancos nos montes e montinhos do meu país. Parece que são úteis e nos fornecem energia eléctrica. Aí está: o vento não é doméstico mas já arranjaram maneira de ele ser um pouco como a vaca e a galinha.
Mas o vento está-se nas tintas para isso porque o vento é livre. Roubem-no um bocadinho que ele rala-se bem com isso. O vento despenteia os penteados e penteia os despenteados. É por isso que eu gosto tanto dele!
O vento é um desmancha-prazeres mas, às vezes, é um montador-de-prazeres como nos casos dos balões e dos parapentes, mas nestes últimos é só às vezes, o que torna o às vezes já em muitas vezes e aí as coisas podem dar para o torto. Podem.
O vento é uma ovelhinha negra da natureza. Por vezes desaparece e faz com que as caravelas do saudoso e aventuroso Gama fiquem para ali a molengar sem saberem mesmo para onde ir, numa calmaria que, contudo, é bem melhor do que aqueles planos fixos do Oliveira que são absolutamente insuportáveis por muito estéticos que eles sejam. E poéticos. Eu não gosto nada da poesia parada, de uma lentidão ainda inferior à de um caracol desmesuradamente preguiçoso, coisas. Mas, sobre este aspecto concreto, não sei a opinião do vento.
O vento trata os ciclones e os anti-ciclones por tu-cá-tu-lá, e umas vezes está nos Açores e dali a nada está nas Caraíbas, e depois já é alísio e depois, como é do contra, já é contra-alísio, vá lá entendê-lo. O vento gosta de chatear, como já vimos, mas há uma categoria de seres humanos que nunca se queixa do vento: os carecas. Os carecas não ligam nada ao vento. O vento para eles não existe e parece que vivem felizes, até porque com aquela particularidade nunca apanham piolhos, nem lêndeas. E o vento é um óptimo propagador de piolhos, além de ser muito chato para aqueles jogadores de futebol que usam umas fitinhas no cabelo para as melenas não lhes cairem para os olhos e eles não poderem rematar e marcar ou defender golos. Porque o vento é tramado nos olhos. O vento nos olhos dá cabo deles. E os jogadores têm o prestígio a defender e a carreira.
O vento está-se nas tintas para a carreira e para as carreiras.
Seja a carreira do 28 que vai até Algés, seja a carreira do senhor doutor que preza muito a corporativa ascensão e subida na mesma. O vento está para as carreiras como as rosas vermelhas estão para o deserto da Galileia. E venta.
O vento o que faz? O vento venta, ou venteia, assobia, rodopia, pipila, varre, desmancha, enrola, desfaz, ensarilha, envolve, tapa, leva. Por exemplo: o vento leva as palavras, como ajuizadamente no provérbio.
E lá vão elas, as palavras, levadas pelo vento, já sem amarras, nem atilhos, nem correntes, nem páginas, nem leitores, nem livros, nem nada.
O vento leva as palavras e as palavras vivem livres.
O vento também ri. É uma das suas melhores características. O vento ri dos disparates dos disparatados que não sabem que disparates andam a armadilhar há anos e anos e sem consequências. Ou com muitas.
Um disparatado-mor, ou uma, faz os maiores disparates dos últimos trinta anos e o que é que lhe acontece? Dão-lhe o prémio de uma sinecura na presidência de uma fundação de amizade com um país do outro lado do Atlântico. Bem pensado.
Aí o vento ri mas fica a pensar por que razão os disparates têm tanto valor, para mais quando mascarados de talhantes, ou farsantes, estatísticos: sabe-se que um quilo de carne custa, na média europeia, 7 euros e 35 cêntimos mas o preço que é pedido é de 6 euros e 58 cêntimos, para ficarmos bem na fotografia da média europeia, mas que obviamente não corresponde à realidade. Mas o talhante, ou farsante, está-se bem nas tintas para a realidade.
O que interessa ao talhante, ou ao farsante, são números, números, números. Ou as médias dos números.
O vento, por vezes, cansa-se e vai descansar para a praia. O vento adora a praia,
estar ali à torreira do sol a arder, saborear o sal que fica nas suas costas, enfim, desfrutar de um pouco de repouso no meio de dezenas, ou mesmo de centenas, às vezes até milhares.
Depois, acorda, chateia-se, levanta-se, rodopia e põe-se a varrer aquela malta toda que foge, atarantada, para os seus carros que ficaram a escaldar que nem ovos estrelados acabadinhos de fazer. Os grãos de areia enfiam-se por tudo quanto é sítio, nos ouvidos, nos cabelos, nos olhos, no tablier do carro e até na garganta do cão que rosna, irado, porque não compreende nada do que se está a passar e ainda por cima gritam com ele.
O vento, cansado de tanta erupção, e confusão, e desarranjo, eclipsa-se.
Desaparece.
Muito lá longe o vento ri e sorri porque, apesar da sua vontade ou até pela sua vontade, ele sabe, bem no seu íntimo, que é eterno, que nunca morre, nem ressuscita, que nunca é sepultado sob lajes mais ou menos pindéricas, que nunca é cremado em piras nas margens do Ganges, ou nos crematórios das cidades, que é sempre jovem sendo sempre velho, que é só ele, com ele.
O vento lembra-se e sorri de novo.
O vento adora papagaios. De papel.
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